25 de março de 2007

SEGREDO E VISIBILIDADE. TRADIÇÃO E TRANSMISSÃO

Os preceitos básicos da tecelagem mantêm-se os mesmos desde os tempos pré-históricos até os nossos dias. Entretanto, para que uma técnica sobreviva, é necessário que circule.
Tudo que se transmite repetidamente é tradição.
Desde que o homem subsitituiu peles de animais por trançados, a tecelagem nos acompanha em todos os cantos do mundo.

No Brasil, os escravizados trouxeram seus teares de dois pedais escondidos entre a parca bagagem. Em certas regiões de Minas Gerais, os europeus introduziram a técnica de quatro pedais a seu modo: ensinando a repetir sem criar, por meio de "receitas".

Os índios produziam complexos padrões apenas repetindo os mais velhos. A base da permanência da tecelagem no Brasil está calcada na oralidade e, consequentemente, na observação direta e na memória.

A repetição de padrões garante a unidade do grupo e o pertencimento do indivíduo. Importante é repetir exatamente igual aos antepassados, depositários do conhecimento e responsáveis por sua permanência.
A autoria e a inovação, entretanto, objetivam distinguir um indivíduo em relação aos demais, singularizando-os. O "novo" é uma obsessão em nossa sociedade.

A partir destas premissas, muito temos a refletir sobre o segredo e a visibilidade. Quando ensinar? Quando manter em segredo? Quem merece saber? De quem devemos esconder?
Separar o que merece permanecer do que não merece é uma instância de consagração bastante visível na seleção de conteúdos programáticos de instituições de ensino, na seleção de conteúdos da mídia, na seleção de obras que "merecem" ocupar espaço em museus.

A Tecelagem Manual, a cestaria, as artes praticadas pelo povo, enfim, tudo que não é enquadrado pelo olhar eurocêntrico da História da Arte, tal como nos é apresentada à primeira vista, são práticas abarcadas pela Antropologia, pela Cultura Popular, pelo "folclore".
As distinções entre os termos artesanato e arte são questões debatidas exaustivamente nos meios acadêmicos.

A Tecelagem Manual também é vista como "terapia", assim como o canto, a dança, o riso, o beijo, enfim, tudo que os rituais que perdemos levaram consigo.
Neste momento, diversos grupos "inventam" novos rituais de casamento, de batismo, de velórios, de passagens.
Tecer trazendo no coração todas estas perguntas é muito mais que produzir objetos de uso como tapetes e tecidos.

TECENDO A VIDA

O ato de tecer, em regiões distantes entre si e tempos distintos, sempre nos remete ao movimento ininterrupto da vida. De maneira sumaríssima, diríamos que o quadrado representado pelas quatro travessas do tear, as duas horizontais (inferior e superior) e as duas laterais (esquerda e direita) formam um quadrado que nos remete à idéia de limitação.
O limite da vida humana, portanto.
O conjunto dos fios verticais (urdidura), e seus atributos (cor, comprimento, espessura, eqüidistância), uma vez determinados, não se pode mais mudar. Urdir é preparar o destino. Há circunstâncias e decisões que nos marcam para sempre. Acontecimentos, contextos, decisões, atos e fatos, palavras, perdas, situações à quais não poderemos jamais retornar para modificar.
Impossível remontá-la, a urdidura, sem morrer e renascer. Este é o primeiro movimento em relação ao desenho da trama de nossa vida.
Uma vez determinadas as características básicas do tecido, somos livres para fazermos, dentro daquele comprimento, daquela largura, e das especificidades dos fios que se alternarão, a teia de nossa vida. Tramar é viver. O movimento das navetes da esquerda para a direita e da direita para a esquerda é a construção da rotina que compõe a nossa história.
A urdidura firme, composta de fios belos e de belas cores, não nos garante o bom resultado. Como trançaremos os movimentos cotidianos é o que vai dar beleza ao tecido final.
No rolo da frente, sobre o colo do tecelão, fica enrolado o que já foi tecido, o passado simbólico. No rolo de trás (ou de cima), o urdume por tramar, o futuro, o que ainda não foi feito, o que pode ser mudado.
Entre os dois rolos, entre o céu e a terra, e limitados pelas travessas verticais da finitude humana, criamos diariamente a tela, a teia, onde fomos involuntariamente enredados.
Que a tecelagem participe de nossa reflexão sobre o mistério de viver.

20 de março de 2007

O símbolo

O símbolo representa alguma coisa que não pode ser apresentada de nenhuma outra maneira e cujo significado transcende todos os específicos, e inclui muitos opostos aparentes (como, por exemplo, a Esfinge, a Cruz, etc). O sentido final do símbolo é livre e sem limites.
Todo material simbólico deriva de um nível de experiência humana comum a toda a humanidade. A imaginação é o passaporte.

Jung e o tarô, de Sallie Nichols

17 de março de 2007

Tecelagem na Mitologia Grega

AS MOIRAS, AS PARCAS E O DESTINO

“A palavra moira significa parte, lote, quinhão, aquilo que a cada um coube por sorte, o destino. Fiar era ocupação própria da mulher. O destino simbolicamente é fiado para cada um. A Moira, o Destino, em tese, é fixo, imutável, não podendo ser alterado nem pelos próprios deuses”.



AS MOIRAS: NÃO SE PODE MUDAR O QUE ESTÁ ESCRITO

Os deuses do Olimpo, de Menelaos Stephanides

“Se, por um lado, Zeus reparte a dor e a alegria, suas filhas, as Moiras, deusas impiedosas, são aquelas que decidem sobre o destino final dos homens. Zeus jamais interfere no trabalho delas, porque ninguém tem o direito de mudar as leis que regem a vida. ..
A primeira Moira, Cloto, tece o fio da vida e determina o quanto irá viver. Quando a linha for cortada, a vida terminará. A segunda, Láquesis, sorteia de olhos fechados o quinhão que cabe a cada um. Esse será seu destino, bom ou ruim. Ninguém pode mudar aa sorte porque a terceira delas, Átropos, escreve em um longo papiro, com letras imutáveis, tudo o que suas irmãs decidiram para cada ser humano.
Clique nos links para saber mais:

16 de março de 2007

Tecelagem Africana

“Na sociedade tradicional africana, as atividades humanas possuíam freqüentemente um caráter sagrado ou oculto, principalmente as atividades que consistiam em agir sobre a matéria e transformá-la, uma vez que tudo é considerado vivo. Toda função artesanal estava ligada a um conhecimento esotérico transmitido de geração a geração.(...)
Antes de dar início ao trabalho, o tecelão deve tocar cada peça do tear pronunciando palavras ou ladainhas correspondentes às forças da vida que elas encarnam.
O vaivém dos pés, que sobem e descem para acionar os pedais, lembra o ritmo original da Palavra Criadora, ligado ao dualismo de todas as coisas e à lei dos ciclos. Como se os pés dissessem: Quando um sobe o outro desce. A morte do rei e a coração do príncipe. A morte do avô e o nascimento do neto. Brigas de divórcio misturadas ao barulho de uma festa de casamento.
Diz a navete: Eu sou a Barca do Destino, o movimento, passo por entre os recifes dos fios da trama, que representam a vida. Do lado direito para o esquerdo e vice-versa. A vida é um eterno vaivém.
A tira de tecido que se acumula e se enrola em um bastão sobre o ventre do tecelão representa o passado, enquanto o rolo do fio a ser tecido simboliza o mistério do amanhã, o desconhecido, o devir”. (História Geral da África)